domingo, 25 de janeiro de 2015

O EVANGELHO SEGUNDO ZEBEDEU

Por Julio Zamparetti 

Hoje estou mais herege que de costume. Tenho que fazer a homilia da missa da noite e me deparo com alguns problemas com a liturgia. A primeira leitura é sobre a pregação de Jonas e o arrependimento dos ninivitas. Tudo bem se não fosse a forma como Jonas se expressa e a motivação que leva os ninivitas à conversão. O texto diz que Jonas anunciou a destruição da cidade em quarenta dias, o povo se converte por medo e, em vista à conversão do povo, Deus suspendeu o mal do qual havia ameaçado fazer.

Em primeiro lugar, eu não creio num Deus que faça o mal. A gente não precisa de um deus, nem de um diabo, para fazer o que nós mesmos fazemos com extrema perícia. Também não creio num deus que ameasse, e muito menos na conversão que seja fruto de uma ameaça. Porque mudar de atitude por medo do castigo não é conversão, mas sim uma estratégia típica de quem é perito em maldades. Até Maquiavel ensinava “converter-se” em tal circunstância.

É impossível ler esse texto sem pensar no contexto histórico e cultural sob o qual fora escrito. Existe uma clara influência das crenças politeístas que acreditavam que todo mal, como todo bem, procedia dos deuses e que os sacrifícios, jejuns e rituais aplacavam a ira e o furor divino.

A segunda leitura traz um caráter depreciador em relação à vida aqui e agora. O apóstolo apresenta a conversão como um peso em que tudo no mundo tem que perder o sentido de ser. Na liturgia de hoje, assim diz o autor sagrado: “quem é casado, viva como se não fosse”; eu, todavia, prefiro o que diz outro autor não menos sagrado: “desfruta a companhia da mulher que amas”. Na liturgia de hoje: “Quem chora, viva como se não chorasse”. Bem, o certo é que alguém bem mais sagrado disse: “Felizes são os que choram...”. O apóstolo ainda diz que “os que são felizes, vivam como se não fossem e os que usufruem do mundo como se não tivessem gozo nele”. Acho que Cristo pensava diferente quando reclamou dizendo: “Nós tocamos flauta e vocês não dançaram”. Afinal, tudo que Deus fez, fez para que fôssemos felizes.

É inegável que o conceito paulino de que tudo era passageiro fosse absolutista. Para Paulo, nada mais tinha importância, senão a conversão imediata de todas as pessoas, porque Cristo estava absolutamente próximo de sua segunda vinda e o fim de tudo era iminente. Paulo achava que sua geração era a última a viver sobre a terra. Se você está lendo isso hoje, quase dois mil anos depois, eu não preciso lhe dizer que Paulo errou.

A liturgia é concluída com a leitura do Evangelho enfatizando a importância de se largar as redes, a família e os amigos para seguir a Cristo de forma romântica, imediata e totalmente desapegada do mundo. Vou então desviar meus olhos de Tiago e João, que deixaram tudo para seguir a Cristo e mirar-me em seus irmãos que ficaram com seu pai, Zebedeu. Seriam eles menos amados por Deus? A família não seria um lugar digno do serviço cristão? O ambiente de trabalho é impróprio para a prática dos preceitos espirituais?

Acredito que vivemos um tempo propício à conversão. Não porque o fim está próximo; não porque Deus esteja prestes a nos castigar; não porque corremos o risco de ir para o inferno; não porque precisamos salvar nossa alma. Precisamos nos converter porque precisamos nos salvar de nós mesmos, precisamos deixar um mundo melhor, precisamos fazer alguém feliz.

A conversão da qual precisamos não é nos fecharmos na religiosidade; não é olhar para o céu como se nada houvesse aqui; não é viver aqui como se nada houvesse lá. Precisamos de uma conversão daquela em que se diz que Cristo convergiu em si os céus e a terra. Precisamos nos abrir para o mundo, apreciar a vida, cuidar da saúde, abraçar os amigos, valorizar a família, viver como quem é feliz pelo simples fato de ser feliz, chorar as dores, rir as alegrias, amar intensamente alguém com quem queira viver até que morte os separe; desfrutar todo bem que a vida tem para dar e descobrir que nisso tudo o Criador é exaltado e o céu é vivido.


Estas coisas são passageiras, eu sei. Mas não são sem valor. Elas são passageiras porque são apenas o princípio da eternidade. Sem estas não haverão aquelas.

sábado, 24 de janeiro de 2015

UM GRANDE LEITOR

Por Julio Zamparetti

Uma professora me contou que havia comprado e lido todos os meus livros e, por ter gostado muito, emprestou-os para dezenas de pessoas. Então, subitamente, levou as mãos à cabeça e disse: “Desculpe-me, agora eles não comprarão mais seus livros”! Não tive como conter o riso e lhe falei que, para um escritor, mais importa é ser lido do que vendido. Eu não poderia condená-la por isso, já que eu mesmo já transcrevi em meu blog quase tudo que escrevi nos livros. Tudo está disponível gratuitamente a quem quiser, e na hora que quiser. Não por acaso os clics no blog me dão tanto prazer!

Mas meu leitor mais assíduo não tem computador. Não satisfeito em ter comprado e lido os meus livros, me visita todo mês e não vai embora sem que antes eu imprima e lhe dê os artigos que escrevi durante o mês. Este certamente vai parar em sua mão, quando ele vier pegar os novos artigos e dar o seu parecer sobre os anteriores. Nem sempre ele concorda comigo, mas conversa boa é aquela em que se sabe discordar com respeito e interesse pelo pensamento alheio.

Esse mês, janeiro, já está no final e ele ainda não apareceu por aqui. Deve estar na praia. Isso me fez perceber o quão valiosa é essa amizade. Estou sentindo falta de nossa conversa, o que me levou a escrever. Por mais que sejam prazerosos os clics no blog e as leituras que se fazem de meus livros, nada substitui o olhar respeitoso, a crítica educada, o abraço fraterno, a conversa amigável e o desejo de aprender um com o outro.

Um abraço, meu amigo Silvio. Se só você lesse o que eu escrevo, seria o suficiente para me motivar a continuar escrevendo.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

MEU RESTA

Por Julio Zamparetti

Vinícius escreveu o poema Resta, que inspirou Rubem Alves a escrever o seu Resta, que em minha opinião é um dos textos mais lindos que já li. Agora, cá estou eu a aventurar-me em escrever meu próprio Resta. Não faço isso por ambição de querer ser igual a eles, mas porque as palavras são assim, tomam novas formas, novos sabores, aromas, melodias e tons na alma de quem as recebe. Assim, eu que gostaria de ter sido designer e não fui, chef de cozinha e não fui, perfumista e não fui, cantor e não fui, pintor e não fui, posso, no uso das palavras dar forma, sabor, aroma, música e cor ao que me resta.

Certo dia fiz algo do qual, certamente, nunca tive o direito de fazer... mas fiz... fiz um acordo com Deus. Não sei se ele existe; se existe, não sei se me escutou; se escutou, não sei se concordou; e se concordou, não sei se vai realizar. Mas por não saber se ele existe, resta-me crer, e por crer, fiz com ele tal acordo. Meu acordo foi referente ao meu tempo de vida aqui. No início achei que ele teria problemas para cumprir um prazo tão curto para alguém com tanta saúde. No entanto, hoje, depois de descobrir o diabetes e alguns de seus efeitos na própria pele, resta-me me cuidar muito se quiser alcançar o tempo combinado. Talvez seja essa a razão pela qual eu tenha me impressionado tanto com os Restas.

Pensar no que resta pode parecer ser algo melancólico e até pode mesmo ser, mas o lado bom disso é que nos faz valorizar cada instante que se vive, ver as coisas belas da vida e o que faz a vida valer a pena.

Resta-me, então, aprender amar quem eu sempre amei. Amor é como um jardim. Tem que ser regado todos os dias. Além disso, os jardins estão em constante renovação e mudança. Algumas flores se abrirão por algumas horas e logo morrerão, e ainda assim requererão todo cuidado para que dentro de um ano dê um novo espetáculo de beleza e vida. Não sei se foi por isso que ele escreveu, mas é por isso que eu concordo com Raul Seixas quando disse que “ninguém nesse mundo é feliz tendo amado uma vez”. Afinal, não se pode passar uma vida amando sempre com o mesmo amor, porque as pessoas amadas não passarão a vida sendo as mesmas. O amor é como um jardim que como todo jardim perderá lindas flores e outras flores, talvez mais lindas, nascerão em seu lugar. Assim como eu não sou mais o mesmo, aqueles a quem amo também não são como um dia foram. Os anos e a estrada nos modificam. Resta-nos aprender a amar essas novas pessoas que somos, com o novo amor do qual sejamos capazes de cultivar a cada novo dia.

Resta-me fazer o que sempre quis fazer. Algumas vezes, quando realizamos um sonho, nos frustramos ao perceber que não era aquilo que esperávamos. Isso acontecesse porque importamos sonhos de outros sonhadores, ou absorvemos ideias midiáticas como se fossem nossos sonhos. A parte difícil em se fazer o que sempre quis fazer não é o fazer, mas sim, saber o que se quer. A gente só quer, de verdade, o que faz parte da gente. Então, só quando a gente se descobre é que se pode saber o que se quer. Resta-me então conhecer-me a mim mesmo. Nessa hora, é bem possível que eu descubra que já tenha feito muito mais do que pensava querer, e passe a querer o que de fato preciso fazer e que de fato me faz feliz.

Por fim, resta-me ter a fazer coisas que não farei. Tanto o querer quanto o realizar são partes de quem somos. O querer abre ciclos, ou estações, e o realizar os encerra. Por isso não espero realizar todos os meus sonhos, porque desejo sempre ter sonhos a realizar. Não querer a nada fazer é deixar de ser... é morrer estando vivo. Assim sendo, enquanto restar-me tempo, restar-me-á ter o que me faça ser e me mantenha vivo enquanto houver vida.

Resta-me ainda ser cozinheiro, pintor, avô, enólogo, mergulhador, saxofonista, voar de asa-delta, pular de bang jump, saltar de para-quedas... Algumas dessas coisas eu farei, outras me manterão sonhando e querendo... ou diria, vivendo.