terça-feira, 16 de dezembro de 2014

SOBRE A SALVAÇÃO CRISTÃ

Por Julio Zamparetti 

Sempre fui incomodado por essas fórmulas mágicas salvíficas: “pra ser salvo você tem que ser batizado”, “tem que dar o dízimo”, “tem que crer em Jesus”, “tem que confessar os pecados”, “tem que repetir uma oração recebendo Jesus”, “tem que fazer outra oração renegando o passado”, “não pode falar mal do pastor e deve lhe ser obediente em qualquer circunstância”. Então Jesus morreu pra me salvar, mas só me salva se eu me salvar, participando dos ritos e deveres mágicos que a igreja determina. Você não acha isso um tanto estranho? Eu acho estranhíssimo!

Quem quer entender a salvação, segundo a Bíblia, tem que entender o contexto histórico bíblico. Do contrário... bem... do contrário você terá essa bagunça que citei acima da qual eles insistem em chamar de teologia cristã.

O conceito de salvação dos templos bíblicos era de que “sem derramamento de sangue não havia remissão de pecados”. Este era um conceito muito antigo advindo das mais remotas civilizações, onde tudo era resolvido com rituais. Se a pesca ia mal, se a seca era longa, se a chuva era muito intensa, se a doença era implacável, se a colheita estava ameaçada, para cada mal havia um ritual apropriado que ia desde simples jejuns até orgias-rituais e sacrifícios de bebês. Quanto maior e melhor o sacrifício, maior a perspectiva de sucesso.

Então, buscava-se os animais mais gordos e sem defeito para os sacrifícios; os jovens mais formosos para os rituais da fertilidade; e os seres humanos mais puros, isto é bebês, para o maior dos sacrifícios. E para que este fosse bem aceito pelos deuses, ou mesmo pelo Deus de Israel, escolhia-se uma criança nascida da família mais honrada da cidade. Esse costume era normal entre os filisteus e foi seguido também pelos seus parentes próximos, os israelitas, até que Moisés regulamentou que fossem sacrificados apenas rolinhas, cordeiros, bodes e bois. No conceito teológico isso prefigurava o próprio filho de Deus que faria o sacrifício perfeito. Afinal, que família seria mais honrada que o próprio Deus? Que Filho seria mais puro que o próprio Filho de Deus? Assim o sacrifício do Filho de Deus seria o cumprimento da profecia de Daniel de que Ele faria cessar o sacrifício.

A Boa-Nova é, portanto, a mensagem de que Deus não quer sacrifícios, não quer rituais, Ele despreza as fórmulas mágicas, não se compromete com as invencionices eclesiais. A Boa-Nova é a mensagem de que somos livres, de que não há condenação alguma pesando sobre nós; na verdade, nunca houve. Mas porque nós nunca acreditamos que a salvação é de graça, Ele fez o sacrifício perfeito para que, crendo nele, nos libertássemos do ritualismo. Por isso tenho por certo de que o ritualismo sempre foi o pecado do qual Cristo veio nos salvar. Ironicamente, nossa religiosidade leva-nos a, em nome de Cristo, prendermo-nos justamente aos rituais, se não os mesmos, semelhantes aos que aquela religiosidade, deflagrada por Jesus, propunha.

Para contrapor esse ensaio, quero dizer que a religiosidade pode ser boa. Isso ocorre quando, e somente quando, ela é simbólica, iconográfica, pedagógica, quando o ritual leva o praticante à compreensão, interiorização e prática de uma verdade muito superior.

Em minha modesta opinião, acho que um dos maiores erros da igreja foi dar aos rituais o sentido objetivo, isto é, a concepção de pensamento como “foi batizado, está salvo”, “comungou, recebeu Jesus”. Ora, se na simples participação mecânica do sacramento o seu objetivo está concretizado, toda beleza poética e pedagógica do sacramento está aniquilada. O batizado está salvo sim, mas não por conta do ritual. Ele está salvo porque não pesa sobre ele condenação alguma e a pedagogia da água purificadora do batismo lhe traz, ou deveria trazer, essa compreensão. Da mesma forma, a Santa Comunhão não introjeta a pessoa de Cristo de forma objetiva, mas sim pedagógica, no comungante. Assim, o comungante aprende que como o trigo fará parte de seu corpo, o caráter de Cristo também tem que fazer parte de sua conduta diária. Quando não há essa perspectiva pedagógica todo sentido sacramental estará consumado no altar da igreja. Quando a perspectiva é pedagógica, sua consumação tende a se dar no altar da vida cotidiana, a lâmpada tende a ser tirada de debaixo da mesa e disposta de maneira que ilumine o mundo. Em outras palavras, a religiosidade simbólica é um meio de graça e espiritualidade tão dinâmica que é capaz de transformar o mundo. Doutra sorte, toda religiosidade será inútil.

Ressalto que a religiosidade objetiva é apenas uma forma vil de dominar o povo, tornar as pessoas dependentes do sacerdotismo, não liberta ninguém porque não é a verdade. A verdade liberta, a Boa-Nova liberta, o Filho liberta, sempre liberta... E esta é a Palavra da Salvação.

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