quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A VIDA É BELA, A MONTANHA É RUSSA, E VICE-VERSA

Por Julio Zamparetti

Depois da experiência traumática na Montanha-russa, há quatro anos, jurei que nunca mais iria embarcar num carrinho daqueles. Eu havia entrado em pânico, completei todo o percurso de olhos fechados, fiquei com hematomas nas canelas, consequência da busca inconsciente por um pedal de freio. Saí daquele brinquedo tremendo como vara verde, sem olhar pra trás, com a convicção de nunca mais voltar.

Quatro anos depois estava novamente numa fila para embarcar em outra Montanha-russa. Dessa vez uma bem maior. Mas eu precisava me superar, encará-la de olhos abertos e vencer o medo. É assim a vida, que para ser bela tem que ser vivida com olhos abertos, não sem medo, mas também não sendo dominado por ele. É preciso coragem para seguir adiante. E coragem não é ausência de medo, mas é a capacidade de seguir em meio aos temores.

Assegurei-me de que o equipamento era seguro, os trilhos reforçados, poltronas seguras, idoneidade e fama do parque (Beto Carrero World), tudo visivelmente muito mais reforçado que aquela de anos antes. Confiei e fui...

De olhos abertos, percebi que a pior sensação é a de impotência, não adianta querer parar, não dá para desistir, não há como frear, nem mesmo diminuir nas curvas. A única coisa que dá pra fazer é confiar que tudo está sob controle, que o equipamento foi devidamente projetado para aquelas curvas, quedas e loops em alta velocidade.

Foi então que me dei conta de que meu medo era o mesmo de anos atrás. O que havia de diferente era a confiança presente agora. Como na Montanha-russa, a vida também nos exige confiança em alguém, se fato desejamos viver. Aprendemos a lidar com nossos medos quando estamos certos de que estamos em mãos seguras. As vezes podemos nos enganar, mas não dá pra viver sem confiar. Cada um de nós é parte de uma imensa engrenagem em que muitos precisam de nossos talentos e nós das virtudes dos outros. Tudo precisa estar bem atado, ajustado, sincronizado, revisado, lubrificado para que a engrenagem não enferruje, não quebre, nem deixe de funcionar.

As engrenagens são compostas de peças de diferentes tamanhos, formas, desenhos, pesos e preços, mas nenhuma delas é menos importante. A vida é composta de pessoas diferentes, mas igualmente valiosas. O amor, o respeito, a compaixão e a confiança mútua ajustam nosso caminhar, renovam nossas energias e nos ajudam a superar nossos conflitos, medos e deficiências.

Fui ainda, naquele mesmo dia, outras duas vezes, sendo a última na Montanha nova, maior, com poltronas suspensas, muito mais veloz, com muito mais loops, pura adrenalina! Nessa, eu não entendia nada, não sabia se estava de cabeça pra baixo ou pra cima, hora via terra, hora via céu, hora via água. De modo ainda mais intenso tive que exercitar minha confiança e esperar que breve aquela loucura iria terminar. E quando acabou eu queria mais!

Assim também é a vida, às vezes russa, às vezes bela, mas sempre fascinante quando se sabe confiar na vida, em Deus, na amizade, no amor e em tudo que faz a vida valer a pena. Mesmo que nem sempre você entenda o que está acontecendo, não desista, pois as turbulências vão passar, e no final de tudo você vai ver que valeu a pena e que faria tudo de novo para saber o que, então, irá saber.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

SOBRE A DIVERSIDADE RELIGIOSA

 Por Julio Zamparetti

Quando vi um pequeno desenho em que cinco pessoas representando as cinco grandes religiões do mundo estavam de mãos dadas e sobre elas uma frase que dizia que “a missão das religiões deveria ser te unir ao divino e não te separar do teu irmão”, comecei a refletir sobre o que nos impede de sermos assim.

O problema não está, simplesmente, no fato de que a missão das religiões seja promover a união com o divino. Isso é o que todas propõem. O problema está justamente no fato de que as pessoas pensam que sua religiosidade faz isso e que só ela faz isso. Dessa forma, tem-se por certo de que a fidelidade a Deus constitui, necessariamente, uma inimizade com o mundo e os deste mundo, infiéis, ou fiéis de outra religião. Pensa-se que a amizade e tolerância com a religião alheia é um ato de infidelidade ao Deus verdadeiro, além de ser uma conivência à danação da alma daquele que pratica outra religiosidade. Portanto, para esse tipo de religioso, a intolerância religiosa não é apenas um ato de amor a Deus, mas também um ato de amor ao próximo, já que a conversão dele o salvará das chamas eternas do inferno. Ironicamente, o que se percebe disso é que nossa religiosidade promete um céu depois, mas em função disso cria um verdadeiro inferno agora; almeja paz no céu, fazendo guerra santa na terra; prega uma religação com deus a quem não vê, mas separa os irmãos aos quais vê. E eu me pergunto: que crédito eu posso dar a uma religião assim? Certamente há alguma coisa errada.

Essa concepção de exclusividade salvífica da religião foi o que a caracterizou até aqui e até aqui é o que lhe confere o atributo de confiabilidade. Santo Agostinho (400 a.D.) já dizia equivocadamente: “fora da Igreja Católica não há salvação”. E por mais que novas igrejas critiquem o santo e a igreja Católica, fazem o mesmo apropriando-se da verdade como se só seus olhos a pudessem enxergá-la. E para piorar, as pessoas em geral sempre dão mais credibilidade às igrejas que assim se portam, pois esperam, de sua liderança, a garantia de que vão morar no céu.

Então, se a apropriação daquilo que é chamado de “verdadeira revelação” é uma característica religiosa, proponho a desreligionização da religião. Pois não há saída. Depois de tantos séculos de acusações de uns sobre os outros, concluo que se todos estiverem certos, estarão todos errados; e se apenas um estiver certo, voltamos à estaca zero, de onde já vimos que está tudo errado.

É necessário, então, perdermos a maior característica da religiosidade e deixarmos de pensar que somos donos da verdade. Jesus denunciou os fariseus por se assentarem na cadeira de Moisés, não passarem pela porta e nem deixarem os outros entrarem. Hoje os Cristãos se sentam na cadeira de Jesus e fazem a mesma coisa que fizeram os judeus.

Ninguém é dono da verdade e nenhuma verdade é absoluta. É necessário respeitar a forma como o outro vê Deus. Só há um Deus, eu concordo. Mas as formas como esse único Deus se revela são inúmeras. Javé, Krishna, Jesus, Buda, Alá ou Oxalá, são apenas algumas das formas mais populares. Podemos acrescentar Iandejára e Ianderum, os deuses que os índios Tupis-Guaranis e Guaranis, respectivamente, já criam antes de qualquer catequização dos homens brancos.

Cada tribo ou povo disperso no tempo e no espaço teve sua forma de interpretar a revelação de Deus através da natureza, da consciência e da inspiração. Penso que nenhuma revelação é superior à outra, mas são todas complementares.  Todas as religiões são como garimpos cheios de cascalhos e pedras preciosas. O importante é que retenhamos delas o que é bom, e sejamos seres humanos melhores.


Isso salva o mundo.

domingo, 21 de dezembro de 2014

PRECISAMOS DE UM NATAL

Por Julio Zamparetti

Quando a Virgem Maria recebeu a notícia do anjo, de que seria mãe do Filho de Deus, logo se espantou e, intrigada, perguntou: como será isso se sou virgem? Ao que o anjo lhe respondeu: Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te envolverá.

Assim também, nós muitas vezes nos vimos diante de circunstâncias das quais nos perguntamos: como poderei vencer se não vejo possibilidades para isso? Como alcançar a meta se sou cheio de limitações? Acho que se prestarmos bem atenção seremos capazes de ouvir o mesmo anjo dizendo: A possibilidade de vencer reside no fato de que descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te envolverá.

Mas afinal, o que significa isso? Que poder é esse? Quem é esse Espírito?

Estou convencido de que o poder que nos envolve é o mover do Espírito Santo, fonte de toda vida da terra. Ser envolvido por ele é receber toda força que emana da terra, dos céus, do amor, da vida e das pessoas de bem. É perceber que nunca estamos sós, que Ele está presente, que de alguma forma sempre está conosco.

Quando Cristo nasce, não nasce só uma cabeça, nasce um corpo. Ele é a cabeça, nós os membros de seu corpo, dizia o santo Apóstolo. Portanto, o Natal que precisamos é o Natal do nosso próprio nascimento como corpo de Cristo.

Ser corpo de Cristo nos impulsiona à superação dos próprios limites. No corpo a mão não se limita ao que é capaz de fazer, porque como corpo é beneficiada por tudo que também o pé é capaz. Da mesma forma pés e mãos são beneficiados por tudo que também pernas, braços, olhos e ouvidos fazem.

Maria não estava sozinha, todo um corpo conspirou a seu favor. O anjo estava com ela, o sonho de José, o anjo do sonho e depois o próprio José estavam do seu lado. João Batista integrou esse corpo quando saltitou no ventre de sua mãe, Isabel, que com seu marido, Zacarias, também estavam juntos à Maria. Os magos do oriente, os pastores do campo, as ovelhas e os bois, as estrelas no céu e os anjos celestes compuseram um corpo espiritual que envolveu Maria de forma poderosa.

O nascimento do Messias é o nascimento de todos nós como um só corpo em que seus membros se envolvem um com o outro e um ao outro, se complementam, se fortalecem, um supre as deficiências dos outros, se importam uns com os outros. Nele todos somos fortes porque somos um. Não importa que nome damos a esse Cristo (se Jesus, Buda, Oxalá, Moisés ou Maomé), importa que sejamos envolvidos por esse Espírito, porque é desse Natal que precisamos. Natal que nos faz ser um na beleza da diversidade. Natal que faz com que amar ao outro seja como amar a si mesmo.

Precisamos, urgentemente, de um Natal.

sábado, 20 de dezembro de 2014

EU E RUBEM ALVES

Por Julio Zamparetti

Eu não posso negar o quanto gosto de ler Rubem Alves. Acredito ter muita coisa em comum com ele, sobretudo a forma de encarar Deus. Embora eu não seja digno de comparar-me a tamanho gênio, o fato é que tivemos uma formação protestante, escrevemos alguns livros, como eu, ele era diabético, de maneira semelhante nos desiludimos com a religião, ele se tornou psicoterapeuta e eu um padre anglicano. Por mais estranho que possa parecer, considero possível que nossa maior semelhança esteja neste último quesito. Acontece que nossa desilusão com a religião nos levou a um caminho que acredito ser mais próximo de Deus, especificamente aquele Deus do qual a religião se desligou.

Quando o Santo Apóstolo Paulo anunciava um Deus desconhecido ao povo de Atenas, parecia fazer uma antítese da pregação da religião que o procedeu. Digo isso porque a religião sempre anuncia um deus totalmente conhecido, descrito e delineado. Os catecismos religiosos respondem a tudo, explicam Deus, revelam sua vontade, dizem quem vai pro céu, quem vai pro inferno, como se vestir, o que comer, quando não comer, o que não fazer, o que agrada a Deus e o que o desagrada. É bem verdade que nem o próprio Apóstolo Paulo resistiu à tentação de também dizer quem seria barrado na porta do céu. Mas tudo bem! Quem nunca caiu em tentação? Todavia eu insisto que certo estava Cristo quando disse que as prostitutas (de quem Paulo disse que não entrariam no Reino do Céu) precederiam, no céu, aos religiosos (de quem Paulo poupou em seu julgamento). Isso me leva a crer que ninguém sabe bulhufas alguma sobre quem são os condôminos celestes, se é que estes existem.

Por isso anuncio um Deus que desconheço. Assim, eu padre, me assemelho a Rubem psicoterapeuta. Psicoterapeutas não têm as respostas. Se as tiver, serão falsas. A função do psicoterapeuta é ajudar seu cliente a encontrar suas respostas dentro de si. Essas sim serão verdadeiras, ainda que contrárias ao que o próprio terapeuta esperava. Eu sei que padres são religiosos e que a religião, ao contrário da psicoterapia, tem respostas pra tudo. Mas acima de tudo, um padre tem um compromisso com Cristo, que, por sua vez, nunca dava as respostas. Ele usava e abusava do processo maiêutico, fazendo com que seus interlocutores acabassem por responder a própria pergunta. Não foram poucas as vezes em que Jesus respondeu uma pergunta com outra pergunta! Ao contrário da religião, Ele fazia as pessoas pensarem.

Comumente as pessoas vêm, a mim, contar seus problemas esperando que eu lhes diga o que fazer. Eu não tenho as respostas! Se as tiver, serão falsas. Minha tarefa como conselheiro espiritual é ajudar a pessoa a encontrar a paz e o equilíbrio para saber avaliar com clareza a situação e olharem para dentro de si a fim de que isso possa contribuir no processo da busca da sua própria resposta, pois esta seguramente será a resposta certa, ainda que contrarie a resposta que eu presumia.

Infelizmente nossa gente ainda prefere as respostas falsas. São mais fáceis, estão prontas, é só comprar, e estão em promoção. É a geração da terceirização terceirizando o pensamento. Bem sabem disso os vendilhões da fé que se aproveitam disso para lotar suas igrejas e engordar suas contas bancárias. Com uma resposta simples para todos os complexos problemas da vida, eles iludem as multidões dos que são incapazes de exercitar a faculdade, dada por Deus, do livre pensamento.

Voltando ao assunto da semelhança do pensamento que tenho sobre Deus com o pensamento de Rubem Alves, chama-me a atenção o fato de que só há pouco tempo conheci seus escritos, enquanto seus pensamentos já os conheço há muito tempo. Acho que pensamentos são energias que produzimos e (como no universo nada se perde, tudo se transforma) são capazes de integrar ambientes, modificar situações, e muitas vezes reverberar no espaço até encontrar um cabeção onde pousar. Por isso tenho uma leve desconfiança de que sintonizei a frequência dos pensamentos de Rubem Alves, fazendo com que os conhecesse antes mesmos de poder lê-los. Mas isso não acontece por acaso. O que acontece é que, enquanto na física os opostos se atraem, na metafísica os que se atraem são os semelhantes. Então, se você quer sintonizar coisas boas, comece pensando e praticando coisas boas... Viu? Já atraiu esse texto! Tomara que isso seja bom!

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

SOBRE A SALVAÇÃO CRISTÃ

Por Julio Zamparetti 

Sempre fui incomodado por essas fórmulas mágicas salvíficas: “pra ser salvo você tem que ser batizado”, “tem que dar o dízimo”, “tem que crer em Jesus”, “tem que confessar os pecados”, “tem que repetir uma oração recebendo Jesus”, “tem que fazer outra oração renegando o passado”, “não pode falar mal do pastor e deve lhe ser obediente em qualquer circunstância”. Então Jesus morreu pra me salvar, mas só me salva se eu me salvar, participando dos ritos e deveres mágicos que a igreja determina. Você não acha isso um tanto estranho? Eu acho estranhíssimo!

Quem quer entender a salvação, segundo a Bíblia, tem que entender o contexto histórico bíblico. Do contrário... bem... do contrário você terá essa bagunça que citei acima da qual eles insistem em chamar de teologia cristã.

O conceito de salvação dos templos bíblicos era de que “sem derramamento de sangue não havia remissão de pecados”. Este era um conceito muito antigo advindo das mais remotas civilizações, onde tudo era resolvido com rituais. Se a pesca ia mal, se a seca era longa, se a chuva era muito intensa, se a doença era implacável, se a colheita estava ameaçada, para cada mal havia um ritual apropriado que ia desde simples jejuns até orgias-rituais e sacrifícios de bebês. Quanto maior e melhor o sacrifício, maior a perspectiva de sucesso.

Então, buscava-se os animais mais gordos e sem defeito para os sacrifícios; os jovens mais formosos para os rituais da fertilidade; e os seres humanos mais puros, isto é bebês, para o maior dos sacrifícios. E para que este fosse bem aceito pelos deuses, ou mesmo pelo Deus de Israel, escolhia-se uma criança nascida da família mais honrada da cidade. Esse costume era normal entre os filisteus e foi seguido também pelos seus parentes próximos, os israelitas, até que Moisés regulamentou que fossem sacrificados apenas rolinhas, cordeiros, bodes e bois. No conceito teológico isso prefigurava o próprio filho de Deus que faria o sacrifício perfeito. Afinal, que família seria mais honrada que o próprio Deus? Que Filho seria mais puro que o próprio Filho de Deus? Assim o sacrifício do Filho de Deus seria o cumprimento da profecia de Daniel de que Ele faria cessar o sacrifício.

A Boa-Nova é, portanto, a mensagem de que Deus não quer sacrifícios, não quer rituais, Ele despreza as fórmulas mágicas, não se compromete com as invencionices eclesiais. A Boa-Nova é a mensagem de que somos livres, de que não há condenação alguma pesando sobre nós; na verdade, nunca houve. Mas porque nós nunca acreditamos que a salvação é de graça, Ele fez o sacrifício perfeito para que, crendo nele, nos libertássemos do ritualismo. Por isso tenho por certo de que o ritualismo sempre foi o pecado do qual Cristo veio nos salvar. Ironicamente, nossa religiosidade leva-nos a, em nome de Cristo, prendermo-nos justamente aos rituais, se não os mesmos, semelhantes aos que aquela religiosidade, deflagrada por Jesus, propunha.

Para contrapor esse ensaio, quero dizer que a religiosidade pode ser boa. Isso ocorre quando, e somente quando, ela é simbólica, iconográfica, pedagógica, quando o ritual leva o praticante à compreensão, interiorização e prática de uma verdade muito superior.

Em minha modesta opinião, acho que um dos maiores erros da igreja foi dar aos rituais o sentido objetivo, isto é, a concepção de pensamento como “foi batizado, está salvo”, “comungou, recebeu Jesus”. Ora, se na simples participação mecânica do sacramento o seu objetivo está concretizado, toda beleza poética e pedagógica do sacramento está aniquilada. O batizado está salvo sim, mas não por conta do ritual. Ele está salvo porque não pesa sobre ele condenação alguma e a pedagogia da água purificadora do batismo lhe traz, ou deveria trazer, essa compreensão. Da mesma forma, a Santa Comunhão não introjeta a pessoa de Cristo de forma objetiva, mas sim pedagógica, no comungante. Assim, o comungante aprende que como o trigo fará parte de seu corpo, o caráter de Cristo também tem que fazer parte de sua conduta diária. Quando não há essa perspectiva pedagógica todo sentido sacramental estará consumado no altar da igreja. Quando a perspectiva é pedagógica, sua consumação tende a se dar no altar da vida cotidiana, a lâmpada tende a ser tirada de debaixo da mesa e disposta de maneira que ilumine o mundo. Em outras palavras, a religiosidade simbólica é um meio de graça e espiritualidade tão dinâmica que é capaz de transformar o mundo. Doutra sorte, toda religiosidade será inútil.

Ressalto que a religiosidade objetiva é apenas uma forma vil de dominar o povo, tornar as pessoas dependentes do sacerdotismo, não liberta ninguém porque não é a verdade. A verdade liberta, a Boa-Nova liberta, o Filho liberta, sempre liberta... E esta é a Palavra da Salvação.

sábado, 6 de dezembro de 2014

EU NÃO CONHEÇO DEUS

Por Julio Zamparetti

Confesso: eu não conheço Deus! Também não conheço Curitiba, embora já tenha estado lá diversas vezes. Já estive algumas vezes na cidade de São Paulo, mas sem dúvida não a conheço mesmo! Seria insanidade afirmar conhece-la por ter andado pelo terminal Tietê ou ter corrido pelos portões de embarque do aeroporto de Congonhas. E o Rio de Janeiro... Ah o Rio! Conheço alguns quarteirões de Curicica, algumas ruas de Jacarepaguá, Duque de Caxias, baixada Fluminense, o Shopping da Barra, a praia de Ipanema e claro, o Maracanã. Mas tudo isso eu devo aos amigos anfitriões que gentilmente me conduziram pela Cidade Maravilhosa, pois eu, sozinho no Rio, faria coro à música de Renato Russo: “preciso me encontrar, mas não sei onde estou”. Isso, simplesmente porque não conheço o Rio de Janeiro, senão de por lá passar, assistir TV e ouvir falar.

Como, pois, eu poderia conhecer Deus? Nem minha pequena cidade, no interior catarinense, eu conheço todalmente! Deus seria ainda menor que ela para que eu o conhecesse?

Houve quem em sã consciência afirmou ter conhecido Deus de ouvir falar e depois de andar com Ele. Com base nisso há quem presuma conhecer Deus dessa mesma forma. Mas eu, na minha loucura, afirmo que estão todos enganados. Afinal, por onde tem andado essa gente a ponto de conhecê-lo? Teriam eles andado por outras galáxias? Teriam absorvido todas as culturas da terra? Teriam penetrado a mente de cada ser humano? A menos que você seja capaz de responder sim a todas essas prerrogativas, você não pode dizer que conhece aquele que se revelou de diferentes formas em cada ponto do universo e multiversos, em cada cultura da terra e em cada solitário e livre pensamento humano. A menos, é claro, que você tenha por Deus algo menor que isso, tão medíocre e pequeno a ponto de ser confinado ao seu planeta, à sua cultura, à sua religião e ao que você pensa.

O que conheço de Deus não é nada mais do que aquilo que leio, ouço, vejo, penso ou sinto. E tudo isso está subjugado à minha limitação cognitiva e a condição de onde estou e por onde ando. Há tantos outros caminhos que não são os meus, que não os sei e jamais trilharei, mas sei que Ele lá está também! E lá se revelará a outros que não sou eu, nem se parecem comigo, talvez nunca os conheça, nem os entenda. No entanto, eles entenderão de maneira tão diferente, um pouco do mesmo Deus do qual outro pouco eu entendo.

Conhecê-lo de andar com Ele não é nada, e ainda assim é o máximo que dEle podemos conhecer. A verdade é que Deus não é apenas o que se pode conhecer no caminho! Não seria Deus se não fosse bem maior que isso! Por isso não posso dizer que o conheço. Seria loucura dizer que conheço a Deus por ter andado com Ele por alguns lugares, durante alguns anos, pois o Deus que convictamente desconheço não se limita ao tempo e espaço, muito menos ao meu tempo e espaço.

Deus também se revela por onde os outros andam e de maneira que os outros entendam. É por isso que temos culturas tão distintas, mas que, igualmente, visam preservar a história de sua gente e a ordem na sociedade constituída; cristãos são diferentes de taoistas, budistas, umbandistas, e ainda assim procuram o bem comum! Porque nem o cristianismo, nem o taoísmo, nem qualquer outro ‘ismo’ ou cultura poderia comportar todo conhecimento de quem é Deus. Aliás, nem mesmo o universo inteiro poderia revelar a plenitude do Criador, pois, segundo o autor sagrado, os céus e a terra revelam apenas o que é possível dele ser conhecido. (vd.Rm.1,19)

Caso você pense diferente, não faça mal juízo de mim. É que talvez, por andarmos separados, tenhamos conhecido partes diferentes desse mesmo Deus.

Concluo dizendo que ninguém que realmente queira conhecer a Deus pode fechar-se em sua religião, cultura e filosofia. Para conhecermos, o quanto mais se pode conhecer desse Deus desconhecido e inconhecível, é necessário perder o medo do desconhecido, libertarmo-nos de nossos preconceitos, conhecer outros caminhos, religiões, culturas e filosofias, que não sejam as nossas, com a capacidade de respeitá-las, admirá-las, conviver e aprender com elas. Pois estou certo de que Deus revelou um pouquinho de si a cada pessoa, a fim de que conhecendo-nos e respeita-nos uns aos outros possamos juntos conhecer um pouco mais de Deus e a plena felicidade.


Sendo assim, a todos a paz de Cristo, Shalom, Namasté, Axé, Ahadith...