segunda-feira, 21 de março de 2011

O PECADO, A LEI, A GUERRA E A SEXUALIDADE

Por Julio Zamparetti

O pecado sempre tem razão de ser pecado. Nenhum pecado é pecado simplesmente por ser pecado, assim como nenhum mandamento, ou lei, é instituído simplesmente para ver quem o obedece. O pecado é pecado porque lesa o corpo, o espírito, o meio ambiente, a criação, as pessoas e os relacionamentos. Em contraponto, a Lei é instituída tendo em vista a preservação de tudo que possa ser lesado pelo pecado. Logo, o dimensionamento do pecado, bem como a importância da lei, não está no ato, ou lei, em si, mas nos efeitos que eles produzirão. Matar e roubar seriam pecados iguais, se não fosse a diferença atribuída aos seus efeitos. Da mesma forma, a importância da Lei está na prevenção ou remediação da lesão provocada pelo pecado. Uma Lei que não tenha esses propósitos, não tem razão de existir.

A partir dessa premissa entendemos que o pecado é redimensionado, podendo assumir a dimensão de insignificância ou abominação, conforme o efeito gerado em determinado tempo ou cultura. Em certos casos, esse redimensionamento pode transformar aquilo que se tinha por pecado em benesse, ou vice-versa. Se em tempos modernos, o ato de um homem casado possuir a viúva de seu irmão, que morreu sem filhos, apenas para fazer-lhe um filho é pecado, em tempos bíblicos isso era virtude e lei, uma “obrigação de cunhado” (Dt 25.5), conhecida como lei do levirato.

É por essa razão que não se pode fazer doutrina tomando por base a letra das Escrituras sem investigar seu espírito. E para isso deve-se entender o contexto histórico e social no qual estavam imersos aqueles que a escreveram.

É importante que se entenda que assim como o levirato, todas as leis de Moisés relativas à sexualidade traziam em si uma relação intrínseca com o conceito de guerra de sua época. A todo homem distinto cabia-lhe dar à nação, ao menos, um filho que fosse homem de guerra. Por essa razão era, para eles, vergonhoso um homem casado morrer sem gerar filhos. Eis o motivo pelo qual se deu a lei do levirato que determinava que o filho nascido desta relação não fosse contado como prole de seu genitor, mas sim de seu tio falecido, para que esse tivesse descendência e seu nome fosse honrado.

É, no mínimo, estranho pensar que Deus instituiu o levirato em função da guerra que hoje abominamos. Mais estranho ainda é pensar que a mesma lei condenava à morte aqueles que incidiam em adultério, fazendo com que, em nome da justiça, se cometesse um ato pior que o próprio adultério. Impossível negar que a forma tão diferente que hoje temos de pensar sobre o assunto seja uma santa transformação de valores. No entanto, aquele era um povo guerreiro e dependente da geração de filhos do sexo masculino para servirem no campo de batalha, pois a guerra, naquelas circunstâncias, lhes era fundamental no processo de preservação e avanço da fé cultivada pela nacão. Sob esse ponto de vista não é de se estranhar tamanho rigor sobre as questões de sexualidade.

Diante dessa perspectiva se justificam todas as leis relacionadas à sexualidade encontradas no Antigo Testamento. Não se poderia, então, tolerar qualquer desperdício do esforço sexual em relação que não promovesse a procriação. Era-lhes proibido o coito interrompido e relações homo-afetivas pela mesma razão que era estimulado a poligamia.

Cabe-nos analisar que se as relações sexuais, que não tencionassem a procriação, representavam grande prejuízo nos tempos bíblicos, o mesmo não ocorre em nossos dias.

Sob o ponto de vista bíblico, sem que façamos essa releitura dos fatos, tanto a relação sexual homoafetiva, como o uso de métodos contraceptivos deveriam ser recriminados. Pois considerando a razão pelo qual as Escrituras condenam a homossexualidade, os métodos contraceptivos são igualmente condenáveis.

Se por ventura recriminarmos os relacionamentos homoafetivos sob o argumento de que uma relação sexual entre pessoas do mesmo sexo é antinatural, não podemos esquecer que o uso de anticoncepcionais também é antinatural e antibíblico, tendo em vista que o efeito natural de um ato sexual, bem como a ordem bíblica, é a multiplicação da espécie.

Neste ponto, alguns, tentando se defender sem abrir mão de uma vida sexual sem concepção, argumentarão que o sexo não tem apenas a reprodução por objetivo, mas também o prazer e felicidade pessoal (princípio do hedonismo, razão que tem levado muitos cristãos a busca de fetiches e até da poligamia consensual “clandestina”). Neste caso, o argumento derrubará toda razão de resistência ao uso de métodos contraceptivos, mas sob o mesmo argumento também se desbancará os motivos das sentenças homofóbicas.

O fato é que uma relação homossexual que não agrupe prostituição, pornografia, pedofilia ou adultério (e neste ponto muitas relações heterossexuais são mais pecaminozas), não configurará pecado maior que uma relação heterossexual munida de seus fetiches e métodos contraceptivos. Pecaminizar uma relação e santificar a outra, sendo que as duas ferem o mesmo princípio bíblico e são igualmente proibidas pela Bíblia, deveria nos causar o mínimo de estranheza.

Será que a misericórdia que confiamos sobre o nosso hedonismo não está ao alcance dos homossexuais?

Você acha isso complicado? Não se preocupe! Nosso preconceito nos livrará do peso na consciência.

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