terça-feira, 31 de agosto de 2010

POSIÇÃO X FUNÇÃO

Textos bases: Hebreus 13.1-8 e Lucas 14.1,7-14

Bem advertiu Jesus, para que um convidado a um casamento não se assentasse nos primeiros lugares. Pois poderia ocorrer que o dono da festa o pedisse para que cedesse seu lugar a alguém mais digno. Então, humilhado, o convidado teria que ir para os últimos lugares. Melhor lhe seria estar nas últimas fileiras e ser convidado a sentar-se nas primeiras.

Dois mil anos se passaram e muita gente continua buscando as melhores posições. Não obstante, temos, hoje, uma sociedade fútil, assistida por uma religiosidade hipócrita, em que cada cidadão busca estar num lugar de glamour, onde o prestígio e a beleza exterior possam caiar seu sepulcro-vida que envolve sua subvida interior apodrecida pelo egoísmo e a falsa sensação de honradez. Para esses, títulos, honrarias e condecorações são suas metas. Tudo mais não passa de meios.

Diante disso, o conceito de melhor igreja deixou de ser a pureza da pregação do evangelho para ser a qualidade do ar-condicionado; deixou de ser o amor fraternal vivenciado sem discriminação para ser o bem-estar de um lugar onde todos são de boas famílias e muito “abençoados” financeiramente; deixou de ser a mensagem de arrependimento e conversão para ser um apanhado de jargões de autoajuda; deixou de ser o cristocentrismo, para ser o autocentrismo.

Essa realidade está muito bem expressa nas letras das músicas que “animam” os shows que chamam de culto (se bem que já estão chamando-o de “show” mesmo). Raramente as letras enaltecem Cristo, ao contrário, exaltam “minha fé”, “o poder em minhas mãos”, retendo a centralidade do “eu” que vou “tocar os céus”, “vou vencer”, “vou prosperar”, “vou pisar o diabo”, isso sem contar a infinidade de “recebe isso” e “recebe aquilo”, enquanto a Deus nada. Se devo chamar esses shows de culto, não poderei me omitir de completar que são cultos a si, não a Deus.

O problema é que uma igreja que se posiciona no lugar errado, não funciona, isto é, não cumpre sua função.

Não é função da igreja render honras e glórias a si própria. O lugar de Deus já está ocupado. Deixemos essa posição ao único Deus verdadeiro e ocupemos nossa posição no lugar que cabe aos vermes.

Não é função da igreja ser quem determina, mas sim quem obedece. O lugar de Senhor já está ocupado. Deixemos essa posição ao único que é digno e ocupemos nosso lugar na fileira dos fundos, própria dos servos.

A propósito, se vamos ocupar nossa posição de servos, exerçamos também a mesma função. Pois o cristão só funciona como servo de Cristo quando convida, para a ceia, os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; quando o amor fraternal é constante; quando a hospitalidade não é negligenciada; quando os presos e maltratados não são esquecidos; quando o matrimônio é honrado; quando a vida é sem avareza e a presença do criador é a suficiente razão da felicidade; quando a fé e a vida dos santos são imitadas.

“A tua recompensa, porém, tu a receberás na ressurreição dos justos”.

sábado, 28 de agosto de 2010

O SATANISMO QUE A IGREJA ACOLHE

Ouvi, pois, a palavra do SENHOR, homens escarnecedores, que dominais este povo que está em Jerusalém. Porquanto dizeis: Fizemos aliança com a morte e com o além fizemos acordo; quando passar o dilúvio do açoite, não chegará a nós, porque, por nosso refúgio, temos a mentira e debaixo da falsidade nos temos escondido (Isaias 28.14,15).

Dizer de alguém que tenha feito uma aliança com a morte e o inferno (Além), nos faz, imediatamente, pensar em um pacto satânico. Portanto, esses que assim procederam seriam, podemos dizer, satanistas.

O que me chama a atenção nesse texto é que os tais satanistas são nada menos que líderes religiosos de Jerusalém. E o pior, o que os configurava, segundo o texto, é o fato de terem, por refúgio, a mentira e a falsidade. Não seriam essas, características inerentes a muita gente que se esconde por trás da religiosidade? Assim foi aos Israelitas em questão, e pelo que se pode ver, é assim ainda hoje!

Mas também sobre Jerusalém veio o juízo de Deus, pois assim previa o profeta (v.22b): “porque já do Senhor, o SENHOR dos Exércitos, ouvi falar de uma destruição, e essa já está determinada sobre toda a terra”. A profecia se cumpriu cabalmente no ano setenta da era cristã, quando toda terra de Jerusalém, incluindo o templo, foi destruída pelo Império Romano. Este episódio também foi predito por Jesus, como juízo divino pelo sangue inocente derramado, desde Abel até Zacarias.

Na carta aos Hebreus, destinada ao mesmo povo a quem Isaias profetizou, porém agora, gerações mais tarde e convertidos a Cristo e integrados à Igreja visível e invisível (Hb.12:22-24), o autor os adverte sobre o juízo sob qual seus pais caíram e que eles, caso se desviassem da advertência divina, estariam sujeitos também (Hb.12.25). O autor ainda convida ao desapego das coisas abaláveis, para abraçar a graça inabalável de Cristo (Hb.12.26-28).

Num paralelo entre esses dois textos (da profecia de Isaias e da carta aos Hebreus) percebemos que seria impossível que os Hebreus, a quem foi dirigida a carta, tão integrados à igreja e zelosos pelos rituais judaico-cristãos, fizessem algum pacto satânico, firmando aliança com a morte e o inferno de forma ritual. Tal erro também não se espera da igreja de hoje. Entretanto, mesmo diante de tanta religiosidade, os hebreus cometeriam o mesmo erro de seus pais, caso se refugiassem no abalável refúgio da mentira e da falsidade, erro que, infelizmente, é bem peculiar na religiosidade hodierna.

Caminhando para Jerusalém (Lc.13:22), Jesus fez a mesma advertência àqueles que (Lc.13.26): comem em sua mesa - uma referência à Eucaristia, nos templos - e aprendem dEle na rua de suas casas - isso nos lembra grupos de discipulado e reuniões familiares. Jesus advertiu que essa religiosidade não os tornaria conhecidos dEle(Lc.13.25), e ainda seriam lançados fora do Reino de Deus, caso vivessem na prática da iniqüidade (Lc.13.27), isto é, mentira e falsidade.

Para quem se confia no ritualismo religioso como meio de salvação, eis o alerta. Infelizmente, temos, em nossas igrejas, ótimos religiosos que são péssimos cristãos: rezam, cantam, profetizam, oram em línguas, mas fora do templo e mesmo dentre dele são falsos e mentirosos. Falam de Deus, mas adoram o diabo.

Certamente não ficarão impunes.

Pense nisso.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA

É inegável a tensão existente entre aqueles que defendem uma deificação de Maria e aqueles que por não aceitarem essa postura acabam incorrendo no erro de se colocarem no outro extremo, fazendo pouco caso da mãe do Salvador, ou mesmo demonstrando desprezo a ela.

Não queremos incorrer nem em um erro, nem em outro. Diz o provérbio latino: “Virtus in médio” (A virtude está no meio). Acreditamos que uma teologia equilibrada estará sempre mais próxima a verdade.

O papel de Maria no mistério da encarnação do Messias, não se deu em lhe transmitir a vida sem pecado, tão pouco a deidade. Estes atributos Ele herdou do Pai, que é Deus. Para Maria cabia-lhe o papel de ser mulher, transmitindo a Jesus Cristo o atributo de ser humano. A esse respeito disse São Paulo: “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher”.

Assim, o que podemos aprender das Escrituras, especificamente do cântico de Maria (Lucas 1.46-55), é que Maria não é bem-aventurada por ser salvadora, mas sim por ter um Salvador (v.47); não é bem-aventurada por ter-se engrandecido, mas sim por engrandecer ao Senhor (v.46); não é bem-aventurada por ser Senhora, mas por ser serva (v.48); nem é bem-aventurada por seus feitos, mas sim porque por ela o Poderoso fez grandes coisas (v. 49).

Alguém pode pensar que com isso estou diminuindo a virtude de Maria. De fato, eu estaria diminuindo o conceito da virtude mariana, se ao homem, ou mesmo a Maria, fosse possível maior virtude do que ser usado(a) por Deus.

Para o conceito humano, espera-se que os grandes feitos sejam precedidos pela virtude pessoal, de forma que a bem-aventurança acaba sendo arrolada ao mérito próprio, à capacidade cognitiva, à habilidade dialética, ou a força física. Entretanto, na visão cristã, todo mérito é de Cristo que, pelo seu Espírito, opera, nos seus servos, segundo o Seu querer. É a partir da força do Senhor dos exércitos que um pequeno garoto vence um gigante, 300 vencem milhares, um só homem com uma queixada derruba um exército, poderosos são derribados do seu trono e humildes são exaltados; famintos são fartos de bens e ricos são despedidos vazios; uma mulher simples, frágil, pobre, habitante de uma sociedade excludente justamente dos pobres, dos fracos e das mulheres, traz ao mundo o Salvador da humanidade.

Uma grande lição que aprendemos da Bem-Aventurada é que nós, mesmo sendo pecadores, fracos e insignificantes, também podemos ser bem-aventurados se bem-aprendermos-com-Maria, nos dispondo a ação de Deus, dizendo a Ele algo semelhante ao que ela disse: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra”. Para isso não precisamos ser deuses ou super-homens. Precisamos tão somente ser humanos.

Do atributo da virgem enaltecemos o nascimento virginal do Filho de Deus, o mistério intelectualmente inexplicável, humanamente inconcebível, e que somente é recebido pela fé. Pois unicamente com fé se discerne o que é da fé. Como dizia o Apóstolo São Paulo: “Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais” (1 Coríntios 2:13). A fé neste mistério carrega em si o benfazejo de uma vida bem-aventurada.

Seja, Maria, considerada bem-aventurada também nessa geração. E aprenda, essa geração, a ser bem-aventurada tal qual a mãe do Salvador.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

MOISÉS, JESUS E NÓS

Diz a Bíblia que enquanto Moisés ouvia a voz de Deus seu rosto se iluminava (vd.Ex.34:29-35). Essa experiência foi peculiar, de forma que não se tem registro de que uma experiência semelhante tenha ocorrido com outra pessoa, nem há razão para que alguém queira ter essa experiência da mesma forma como se deu a Moisés.

Também diz que Jesus se transfigurou (vd.Lc.9:28-36), ou seja, transportou-se da figura física para a figura visionária, integrando-se a visão que seus discípulos tiveram de Moisés e Elias, que figuravam a Lei e os profetas que, segundo o próprio Cristo, testificavam dEle.

Não se tratava de contato entre vivos e mortos, como interpretam erroneamente alguns, mas sim da manifestação da glória de Deus testificando, aos discípulos, que Cristo era aquele de quem falava a Lei (figurada em Moisés) e os profetas (figurados em Elias). Portanto, a visão denotava o relacionamento íntimo de Cristo com a Palavra Profética. Em meio a esse relacionamento, suas veste resplandeciam.

Assim como a experiência de Moisés não se repetiu jamais a outros, muito menos a transfiguração será repetida. Todavia, a realidade da comunicação com o altíssimo e o resplandecer da luz divina sobre todos aqueles que interiorizam a Palavra Profética, é o ensinamento que essas passagens bíblicas nos fornecem.

O exercício da oração e o contato com a voz de Deus, que se dá através das Santas Escrituras, da consciência e da razão, nos iluminam e nos fazem resplandecer, não da mesma forma relatada a respeito de Cristo e Moisés, mas da forma como o Espírito de Deus opera em nós, iluminando nosso âmago e resplandecendo na caridade em nós.

De fato, no exercício da comunhão com Deus somos transportados dos limites da figura humana, para a ilimitada ação da essência divina. Não obstante, somos transformados à medida que nos aprofundamos no conhecimento de Deus e nos entregamos integralmente ao núcleo de Seu amor.

O fruto da verdadeira comunhão com Deus não se dá em experiências de êxtase emocional, gritarias ou fanatismo religioso. Embora a comunhão com Deus nunca deixe de ser emocionante, seu fruto se dá no serviço a que somos impulsionados, pelo Espírito de Deus, a oferecer ao próprio Deus, na pessoa do próximo, promovendo assim um mundo melhor, mais justo e menos desigual, sem jamais desfalecermos da esperança.

“Assim temos mais confiança ainda na mensagem anunciada pelos profetas. Vocês fazem bem em prestar atenção nessa mensagem. Pois ela é como uma luz que brilha em lugar escuro, até que o dia amanheça e a luz da estrela da manhã brilhe no coração de vocês” (II Pd.1:19).

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O QUE TENS(?), PRA QUEM SERÁ?

No episódio em que Jesus conta a parábola do homem rico (Lc.12:13-21), o texto nos traz, ao menos, três pontos importantes de reflexão:

Já de início, o texto aborda um problema de conflito familiar causado pela avareza de dois irmãos. Ao que parece, não é de hoje que as pessoas rompem suas amizades e até laços familiares por conta de interesses pessoais onde a lei da vantagem é posta acima de qualquer valor. Se já não bastasse, como foi no episódio descrito, ainda hoje as pessoas recorrem a Jesus, ou religião, em prol de sua avareza e detrimento do próprio irmão. Fazem de Deus, advogado e juiz de suas causas injustas, principiadas num desejo egoísta capaz de sobrepor e ferir o bem comum, o direito do semelhante, a liberdade do diferente. Como poderemos denominar isso, senão cegueira espiritual? Certamente a sede de dinheiro, poder e fama anestesia os sentidos do ser humano, fazendo-o incapaz de enxergar além do seu próprio nariz, amar além de seu próprio umbigo.

Em segundo lugar, aborda o problema da idolatria empregada ao “deus dinheiro”. Não por acaso, São Paulo afirma que a avareza é idolatria (vd.Cl.3:5). O problema de se ter o dinheiro como um deus é que as perspectivas de cada um deles (dinheiro e deus) são incompatíveis, pois o conceito de divindade é de um ser eterno, coisa que o dinheiro jamais será. Você já ouviu dizer que “dinheiro na mão é vendaval”? É por isso que o apóstolo Paulo advertiu: “buscai as coisas lá do alto” (Cl.1:1). Quem não fizer assim, poderá até terminar seus dias deixando os celeiros fartos, mas não desfrutará deles, nem terá frutos a colher na eternidade, pois “assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (Lc.12:21). Este não tem herança do Pai. Portanto, sirvamos ao Deus único e verdadeiro e façamos de nosso legado aquilo que o “vendaval” não pode levar: o amor, a fidelidade, a compaixão, a honestidade, a paz, a justiça e coisas semelhantes a essas aos quais tempo, dinheiro e vida são sempre bem empregados.

Por fim, o terceiro problema se reporta àqueles a quem deixaremos nosso legado (espiritual ou financeiro). Não basta deixarmos um bom legado, precisamos de bons herdeiros. Erra-se quando todo esforço é empregado no trabalho, na aquisição de bens materiais e por essa causa se sacrifica o tempo com os filhos, o laser da família, o convívio dos amigos e o exercício da espiritualidade; ou quando se cuida tanto da saúde espiritual de “todo mundo” e se esquece da própria casa. O sábio rei Salomão se deu conta disso, pelo que disse a respeito de quem assumiria seu lugar: “Quem sabe se ele será um sábio ou um idiota?” (Ec.2:17). O que sabemos é que bons herdeiros é a melhor herança. Precisamos de um equilíbrio entre a dedicação na construção do legado e a aplicação na formação dos sucessores, para que um não ponha o outro a perder.

Pense nisso.